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Um dia hei-de chegar a Roma e em vez de funcionários da Alitalia sentados no chão do aeroporto em protesto pela inevitável falência da empresa, gostaria de ver os padres, irmãs, irmãos e a multidão dos enteados da Casa do Senhor em passeata à porta de S. Pedro, gritando palavras de ordem, exigindo, reclamando, manifestando. Melhor visão do Paraíso não existirá. Bem, existir existe mas é preciso primeiro destruir o silício e a hipocrisia e só depois mostrar o cinto de ligas. Julgo mesmo que a militância pela ortodoxia e pelo tradicionalismo dos costumes imposta pelo papa Rati, para celebrar a entrada em beleza da Igreja no novo milénio seja sobretudo um discurso direccionado para dentro, para sanar o pânico provocado por alguns focos de rebeldia.
Imagino que Sua Santidade (SS), homem douto e de grande inteligência, tenha percebido a eminência da revolução e a forte probabilidade do advento de uma herética "Nova Igreja do Amor Praticado Todos os Dias". Um produto mais adequado ao novo tempo e congregador de todo o rebanho, e não apenas das ovelhas aparentemente tosquiadas. Estará SS assustada com este cenário? Ou o susto tem a ver consigo mesma e com a partida que o Espírito Santo lhe pregou? Em crise existencial não duvido que esteja, sobretudo depois da dedicatória coreografada que a Madonna lhe fez da canção ícone "Like a Virgin", no concerto realizado aqui em Roma, na semana passada. Dizem as más-línguas que SS não resistiu à sensualidade da pop star deslocando-se ao Estádio Olímpico usando o disfarce de vendedora de fancaria da Prada (a sua marca preferida). Até pode ser boato de gente sem fé, todavia não restam dúvidas quanto a SS ter sido vista estes dias em Paris a saudar com grande calor e afecto o casal Sarkosy (o exemplo de bom pai de família promovido pelo Vaticano) e a bela cantora modelo italiana Carla Bruni, de ar cândido e saia abaixo do joelho, que em tempos declarou a uma revista que achava a monogamia um aborrecimento.
A corroborar este quadro de esquizofrenia pura está a cena que presenciei hoje a dois paços da praça de S. Pedro. Teria merecido uma fotografia frontal, mas os visados exigiam dinheiro pelos direitos da publicação. Por isso espero que acreditem em mim. A irmã do lado esquerdo, a que tem botas de plataforma para disfarçar a pouca altura (digo eu), apresentava um par de óculos escuros muito fashion e maquilhagem de fazer inveja à Maria Antonieta. O irmão trazia uma carteira muito suspeita e a companheira de route do lado direito... Bem, essa devia estar a ser iniciada nas artes da via-sacra. E lá foram estes três herdeiros do Woodstock romano, vulgo Concílio Vaticano II, lembrar os velhos tempos passados na praça de S. Pedro quando cantavam o Yellow Submarine e o resto do cancioneiro do Flower Power. Estavam eles longe de imaginar que 40 anos depois voltariam a ver o papa vestido de arminho e todo mordido por não se poder passear in piazza de liteira transportada por escravos núbios oferecidos pela rainha de Sabá.
Fiquei surpreso com a modernidade e a ousadia, mas logo me lembrei que SS estava fora a pregar em França. Amanhã já estará de volta ao terreiro e tudo voltará à beatitude saloia do costume.
Cordiali saluti.