Sempre que lá vou regresso virado do avesso. Aquela terra mexe comigo, tem a ver com a pessoa que eu sou, porque representa a história complicada de quem me deu vida. Não nasci lá, nunca por ali passei dias da minha infância, férias ou o quer que fosse. Não tenho memórias daquele lugar, tenho as dos outros que julgo guardar e reviver, com a paz e a distância que o sossego dos anos já me permitem. Viajei por lá muitas vezes através das histórias bucólicas e por vezes cinzentas que a minha mãe contava, satisfazendo a minha curiosidade de rapazinho em querer saber as razões da sua vida. Enfim, infâncias tristes, laços e nós complicados, marcas que a mim me doem por terem existido e por perceber que ainda existem. Certo é que no início dos meus vinte anos passei com mais atenção por aquele lugar e fiquei atraído por uns campos verdes cercados por um ribeiro, que em tempos pertenceram a meus avós. Tanto fiz que acabaram por ficar minha propriedade. Perguntaram-me e ainda me perguntam para que é que eu quero aquilo? Eu respondo: para meu conforto, para meu sossego, para arrumar um passado que acabou por também ser o meu, e arrumá-lo não debaixo do tapete, mas numa prateleira bem visível com a etiqueta a dizer "bem arquivado".
A ligação a esses prados veio a ser uma espécie de amor à primeira vista, que se sente e não se explica. Só mais tarde percebi a razão dessa química inicial e por ela quero-os para mim, para ser eu o seu guardião, ser eu a cuidar deles. Não quero que se percam no tempo, nem nas mãos de estranhos que desconhecem o seu imenso significado. Preciso deles para perpetuar a memória de quem um dia também acreditou que todo aquele imenso verde valia a pena, de quem dele fez mel, vinho, pão e fruta. Enfim... a memória do meu avó, que cedo morreu, e a memória da minha querida avó Emilinha que por esse motivo nunca mais aceitou o destino. Um destino muito amargo que também veio a ser o de uma criança, o da minha mãe. Por isso aqueles campos são parte da minha história, da minha identidade, sou eu. E em boa hora consegui que ficassem para mim, naltura ainda sem saber a razão que me movia, agora sei, sei muito bem!
É uma certeza reafirmada cada vez que lá vou e nos projectos que vou burilando para eles. Nas ideias que talvez um dia possa vir a concretizar. Quem sabe... Para já sei o suficiente. Sei que os desejo recuperar e manter. Mais, gostaria de poder cumprir aquela que seria a vontade do meu avó quando os comprou, a de os ampliar. Não sei o que o meu destino e a minha rota de viajante têm para mim, mas pressinto há muitos anos que esse caminho passa por aqueles campos e não vou fugir a isso.
Ah! E ao contrário do que alguns dizem "aquilo" não é passado. Aqueles campos lindos e férteis são futuro, e o lugar, ou melhor, a vila, chama-se... Vidago.